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Além do Ângulo | Conto | 2014
Victor Lema Riqué

Outra vez cheguei atrassado, a ôtica fechou e não consegui retirar meus  óculos. Será inútil voltar para minha casa, não gostaria de pasar outra noite sem ler, prefiro aproveitar o bom tempo e sua brisa animadora para andar pela avenida principal. Paro num bar e encostado no balcão observo um estupendo prédio que finaliza numa magnifica cúpula. Acho maravilhosas as cúpulas mas atualmente me interesso mais pelo seu interior. Me intriga saber o que tem dentro delas, me pergunto se alguém mora nelas, se tem infiltrações, plantas, pombas, insetos o se simplemente o interior é oco… Continuo andando e observando tanta gente indo e vindo, penso que a cabeça de cada pessoa seria como a cúpula de seus corpos. Neste caso por mais que quisesse seria impossível saber se o interior é oco.

 

Tenho tempo e como meu problema ocular não é ter dificuldade para ver de longe decido entrar num cinema. Apresentam um ciclo de filmes musicais. O filme de hoje é “Follow the Fleet” de 1936 atuam Ginger Rogers e Fred Astaire. A projeção é enorme e depois de um tempo percebo que não estou concentrado nos principais dançarinos. Fixo a minha atenção nos figurantes que compõem as cenas e me pergunto, o que seria de cada cena sem a prescença deles? Sinto plena cosnsiência de estar realizando um desvio visual e interpretativo. Tal vez por causa de um estado de abstração? O simplemente por el tamanho da projeção?

 

Pode ser que esta experiência faça com que começe a me interessar por tudo aquilo que ajuda a complementar. Ou seja, que a partir de hoje afirme que o secundário também interessa, que para mim seja relevante o valor do anônimo.

 

Leve e satisfeito saio do cinema. É cedo ainda. Não o penso duas vezes e entro em outro.  Não é a primeira nem será a última que assistiré dois filmes seguidos.

 

Ao contrário do anterior este filme é lento e sombrio. Por momentos tive vontade de sair correndo da sala mas insistí e acabei adaptado ao estilo do filme. O protagonista principal interpreta o papel de um jovem muito ambicioso que viaja vendendo seguros. Na última cena dirge imprudentemente um carro a toda velocidade. Em determinado momento o carro começa  a perder rapidez até parar por completo. Desce para examinar o motor mas como não entende nada de mecânica vai até o cofre e retira o manual de instruções. A letra é tão pequena que não consegue ler absolutamente nada e se lamenta de não ter tido tempo de visitar o oculista durante a semana. Volta a sair do carro descidido a esperar ou a procurar ajuda. O lugar é bastante isolado e ja começa a anoitecer, em volta não tem nada, só um velho outdoor publicitário, uma placa de tránsito e dois caminhos secundários a seguir.  O outdoor está bastante gasto mas ainda da para distinguir a foto de uma linda mulher de intensos olhos azuis e um sorriso espetacular. O texto diz: “faça como eu, troque seus óculos por nosso colirio”. A placa de tránsito mostra duas zetas em forma de curva, uma para a direita e a outra para a ezquerda… O jovem protagonista desafiando os sinais e ignorando os caminhos secundários escolhe andar pelo meio, um lugar onde só tem pasto … mas paró por aqui … não contarei o fim…  tal vez alguém queira assitir o filme inteiro….

 

Obviamente  que ao sair do cinema foi inevitável não pensar na ótica e  na retirada dos meus óculos. Amanhã sem falta terei que chegar antes que feche, ou tal vez  seja melhor antes que abra.

 

Ja é de noite e continuo  andando pela avenida. Perto da estação de metrô na qual devo entrar, vejo um cego e seu acompanhante. Estão debaixo de um dos principais prédios da cidade. Éste não tem uma cúpula final que me surpreenda mas  tem um espacio arquitectônico de destaque. Paro e ouço o acompanhante comentar para o cego enquanto o segura pelo braço: “Bom… veja só… para que você tenha uma idéia a distancia do vão entre uma ponta e a outra deve de ter uns  setenta metros de comprimento, do outro lado tem uma avenida e do outro lado tem um terraço com vista para outra avenida…” o cego faz um gesto de admiração e gira sua cabeça em várias direções…

 

Estou a poucos metros da estação que me corresponde mas de forma insólita não entro … surpresivamente percebo que não ando mais pela avenida principal … de forma inesperada sinto-me encontrar  … mas allá del ángulo … não está muito claro para mim… mas tal vez… tenha-me deixado levar… pela direção do vento predominante…

 

Victor Lema Riqué, 2012

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