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Texto Curatorial
Galeria Nara Roesler| São Paulo, Brasil | 1993
Regina Teixeira de Barros

Apesar da semelhança com a pop art quanto ao uso de cores, a versatilidade com que percorre pela “alta” e “baixa” cultura, e ao emprego de recursos da ilustração (por exemplo nas rápidas e longas pinceladas que convergem em direção ao ponto de foco, provocando sensação de velocidade), do cinema (câmera móvel) e da fotografía (distorções angulares), as pinturas de Victor Lema Riqué não se apropriam – tal como fez a pop art americana há trinta anos – de um novo repertório imagetico, deflagrador de uma cultura.

 

Ao contrário, tomando como legado da pop, elege, por vezes debochadamente, mitos e estilemas do final do século XX: da mesma forma que homenageia grandes nomes do cinema, dos meios de comunicação de massa, dos esportes, da história da arte, retrata – com menos benevolência, para não dizer com ironía mordaz – eteriótipos da sociedade de consume. São figuras hiperbólicas: magnatas poderossísimos, modelos gostossísimas, peruas futillíssimas, consumidores voracíssimos. A grandiloquência das imagens é o reultado do uso de distorções de perspectiva, como se o artista estivese munido de uma lente grande-angular.

 

Da mêsma forma, as palavras pintadas na tela tem a ver com o sentido que a pop art lhe atribuiría, (de presentar um produto como motivo ou imagem pictórica). Aqui, são elementos que colaboram para visualização de um context mais amplio, informando o espectador sobre o universo das personagens. Assim, a joalheria Bulgari ou a cadeia de restaurantes Pollo Loco trazem significados – estereotipados, sem dúvida – com conotações que implicam em modos de vida e atitudes no mundo.

 

Igualmente grandiloquênte são os títulos das obras, que se impõem, mais como um roteiro – cinematográfico – de uma história a ser contada. Aliados as imagens, os títulos aguçam a imaginação do espectador e servem de ponto de partida para que este dê prosseguimento a cena. Em “Brigou com a mulher e foi jogar fliperama” impossível resistir a tentação de imaginar: como é a mulher? Usa bobs? É sexy? Qual o motive da briga? Farão as pazes? Se sim, como? Se não, então o quê?. Etc, etc, etc.

 

A pintura então pode ser considerada um trecho de roteiro ou parte de uma história de começo, meio e fim.  A sinédoque – paralelo inevitável diante de títulos quase literários – pode ser verificada ao confrontarmos as pinturas com as histórias em quadrinho e as animações produzidas pelo artista. Riqué passeia de um meio ao outro, emprestando um quadrinho de uma história, ou um still de uma animação, para amplia-los e transforma-los em pintura, e vice-versa.

 

Diante dos múltiplos estímulos a criação, o espectador parte de um de vista que lhe indicado de antemão, tanto no sentido físico quanto no julgamento de valor, podendo, evidentemente altera-lo a gosto. O ângulo enfocado pelo artista, e por tanto forçosamente aquele do espectador, tem a agilidade de uma filmadora que capta imagens tanto ao nível do solo quanto do alto de um poste ou edificio. Em “ casal foge atormentado de shopping center diante do surgimento do primeiro rato vermelho que se tenha conhecimento”  a camera flagrante está no chão ou dentro de um bueiro. Ja em “Famoso magnata janta com três belas modelos que procuram asenção social” o olho indescreto está na mesma altura da cena, seja dentro de um edificio vizinho, seja fora, escalando como um homem aranha! O espectador é cumplice do flagrantes, e assim sendo, é convidado a participar da trama. Em “Concurso de perguntas e respostas. Participam esta noite: o sargento Sanders, Yuri Gagarin, Evita Perón, Vincent Van Gogh e Jean Pierre Pain. Apresenta Jô Soares”, o telephone em primeiro plano não seria um convite a participação? Ao eleger o ângulo de visão, inserindo o espectador no enredo, o artista não só determina o ponto de vista inicial de onde se vê, mas também como se vê.  As deformações angulares, carregadas de significado, revelam seu julgamento de valor. As candidatas a miss, por exemplo, no auge dos seus 90/60/90, mais parecem medir exuberantes 120/60/90, com diminuta cabeça 0,5. O mesmo olhar mordaz registra peruas e babacas, mauricinhos e patricinhas em plena atividade, consumindo aleatória e desenfreadamente em shopping centers, supermercados e redes de fast food. Sem pretenções moralistas e com a mesma atitude irreverente, denuncia “culpados” pelos excessos consumistas que, como seus personagens das HQ, transitam entre o prosaico e o rocambolesco. Aponta como possibilidades o paranóico de “Nunca fez nada, sempre se comportou direito, mas faz anos que se sente perseguido” ou ainda Colombo – afinal, ele fez o que fez-, figura de fundo em “Dois desempregados tentam disfarçar a prescença de glorioso conquistador em busca de especiarias”. Em suas telas Riqué dialoga com seu tempo, incluindo o que nele é resgatado do passado próximo ou remoto – e incita seu público a fazer o mesmo. Com bom humor, acima de tudo.

Regina Teixeira de Barros, Março 1993

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