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Troquem o telhado ou nada ouviremos | Conto | 2014
Victor Lema Riqué

Nuvens escuras, ameaçadoras e fechadas se aproximam lentamente pelo céu desta fria tarde de domingo.

 

Faltam alguns minutos e as grandes portas se abrirão. Faço parte de um grupo de pessoas que pacientes  aguardamos a abertura do Museo Nacional, Ninguém neste grupo carrega um guardachuva embora seja iminente a chegada da chuva, apenas uma senhora de baixa estatura e idade avançada parece ser a única pessoa precabida, segura firme embaixo de seu braço direito um  guardachuva de cor verde claro.

  

O Museu Nacional, o principal da cidade foi recentemente reformado e apresenta na integra, a maravilhosa  La Sale 77 Mollien, du Pavillon Denon du Musée du Louvre de Paris. Um sucesso de público como era esperado, um orgulho para a cidade e um privilégio para cada cidadão,

 

Embora hoje seja o  último dia para ver a mostra o público parece não ser muito. Da para entender, mêsmo para aqueles que admiram a pintura romántica francesa. Alêm da ameaça de chuva tem feito muito frio nas últimas semanas. 

 

É a primeira vez que a La Sale 77 Mollien, du Pavillon Denon du Musée du Louvre de Paris é apresentada na integra fora da França. Algo exepcional!

 

La sale 77 du Louvre foi reproduzida fielmente em cada detalhe: as paredes de cor bordeaux, o parquet beige do chão, o teto de vidro e até o uniforme dos monitores e cuidadores que vieram especialmente da França.

 

Não tenho palavras para descrever o que vejo e sinto. Pareço levitar ao ver na minha frente “ La Mort de Sardanapalle”, sinto vontade de remar observando  “La Barque de Dante” e gostaria de compartir o drama na  “Scéne des massacre de Scio”. 

 

Ao vivo, o maravilhoso esplendor. Eugene Delacroix !

 

Ancioso, quase como uma criança me movimento de um lado a outro pela sala. 

 

Um punhado de pessoas orientadas por uma monitora para diante  de ”Les femmes d’Alger dans leur apartament”, a jovem monitora com forte sotaque francês da detalhes sobre a obra e uma senhora de idade avançada, emocionada, chora timidamente. Parece a senhora que fazia parte do grupo que esperava para entrar no Museu. O confirmo quando vejo o guardachuva de cor verde claro que ainda segura firme embaixo de seu braço direito. 

 

Dois jovens sentados sobre o impecável parquet,  fazem croquis diante da “Liberté guidant le people” e um poco mais distante uma criança parece sinalar para o pai as bandeiras que carregam os cavaleiros de “Entrée des Croissés à Constantinople‎”.

 

O encanto persiste, não para. “Le Radeau de la Meduse”. Sou mais um naufrago em conflito entre desespero e esperança.  O mon dieu, Théodore Gericault, quelle mec, un grand peintre,, alguem diz do meu lado. É uma cuidadora que me invita educadamente a sair da sala. Olho em volta e me encontro sozinho. Diz que tenho cinco minutos para sair por tanto preciso me retirar inmediatamente. O tempo passou e eu não percebí.

 

Sensibilizada com minha tristeza a monitora diz, oui oui, dommage. A seguir fecha a peçada porta fazendo um seco e forte barulho que perfura o mais profundo da minha alma.

 

No hall de entrada, avisto pelas grandes janelas que o céu ainda está carregado de nuvens pretas. Por uma porta lateral entram varias pessoas que se dirigem para o anfiteatro do museu, nenhuma carregando guardachuvas o que me leva a pensar que tal vez ja tenha chovido enquanto me encontrava admirando a maravilhosa exposição e que as nuvens  escuras sejam o fim de um torô pasageiro. Curioso chego até a porta do auditorio e um recepcionista percebendo minha curiosidade me diz  que se trata de um simpósio de arte contemporânea aberto só para gente do meio artistico mas que como eu ja estou dentro do museu posso entrar e participar sem problemas. Agradeço e entro.

 

A sala esta abarrotada apenas só algumas cadeiras nas últimas fileiras estão livres. Escolho uma perto do corredor, caso queira sair discretamente, e me instalo. Analizo a plateia. É Possível que  quase todas as pessoas vinculadas com o mundo da arte na cidade estejam presentes. Um têcnico em sonido da os últimos petelecos testando o microfone. Alguém da producão coloca copos com água sobre una  mesa retangular. São cinco cadeiras e sobre a mesa têm cinco placas com nomes que não consigo distinguir. 

 

A expectativa dos presentes é grande. Passa uma moça distribuindo revistas. É uma revista sobre arte contemporânea chamada: “Fósforo” . Um subtitulo menor embaixo do título complementa: “A revista que faz bem para a cabeça”

 

Um apresentador agradece o apoio aos sponsors. Comunica que a seguir ouviremos os palestrantes e o mediador. No fim haverão comentários do público e os artistas que queiram falar durante o debate devem fazer uma fila a direita da mesa retangular. Inmediatamente se forma uma grande fila que faz uma curva no fim por falta de espaço. Sem dúvida, a pesar do frio e da ameaça de chuva, tem mais gente aqui do que no museu.

 

Depois da apresentação os depoimentos vão acontecendo. Os assuntos são varios, politicas educativas, segmentos carentes de arte, fomentos, democracia na educação, arte e sociedade, etc.  

 

O debate é estrictamente formal mas aos poucos vai se deteriorando fazendo com que o mediador  tenha que intervir várias vezes para acalmar os nervos. O público em volta  parece estar muito atento apreciando as polemicas que se sucedem. Não adiantam os pedidos do moderador, cada vez o ambiente é mais tenso e barulhento. Mas em determinado momento  todos fazem silêncio quando se ouvem sons muito fortes.  Os barulhos aumentam e ninguéim ouve mais nada. Então os presentes percebemos que começou a chover. O barulho da chuva caindo no telhado é ensurdecedor e todos somos obrigados a abandonar o anfiteatro. Como me encontrava do lado da escada sou um os primeiros em sair, então rapidamente chego até hall do museu. A chuva é torrencial e o vento a balança de um lado a outro como um frágil tecido ao vento.  As pessoas se aglomeram ocupando todo o hall .

 

Quando me acomodo perto da saída sinto que alguêm me pede licença colocando a mão sobre minhas costas. É uma senhora, a mêsma que estava na sale 77, a mêsma que chorava discretamente diante de ”Les femmes d’Alger dans leur apartament” e a mêsma que segurava firme o guardachuva de cor verde claro esperando o museu abrir. Educadamente a deixo passar e a senhora sai.  

 

Ja na calçada em frente ao museu a senhora abre o guardachuva e sai andando lentamente, a certo momento para e volta. Que valentia a da senhora, enfrentar tanta chuva,  todos olhamos . Então ela para, respira fundo e grita:  SE NÃO TROCAMOS O TELHADO NADA OUVIREMOS !

 

No hall de entrada se faz um silencio absoluto . 

 

A senhora  depois de sentenciar essas palavras faz uma pausa e desafiante olha  para as pessoas, enseguida da meia volta e aos poucos se perde embaixo da chuva protegida pelo guardachuva de cor verde claro.

 

O silêncio no hall de entrada é profundo. Depois de uma hora e meia de chuva torrencial finalmente todos vamos saindo.

 

Caminhando lentamente esquivo pouças de água. Está frio, arrumo meu cachecol e coloco as mãos nos bolsos da minha jaqueta. Sinto a textura de um papel, é o folder da maravilhosa exposição  que vi faz um par de horas atrás: La Sale Mollien 77 du Pavillon Denon du Musée du Louvre de Paris.

 

Uma pintura que não lembro ter visto, ilustra a capa: Officier de chasseurs a cheval de la garde impériale chargeant,  de Théodore Gericault

 

Como  assim? Não iriam usar essa imagem sem a obra estar exposta. Mas como não vi essa pintura, ou como não me lembro de ter visto?

Victor Lema Riqué, 2014

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